O que a Igreja e a sociedade esperam dos OSFS?
Pe. Aldino José Kiesel, OSFS – Superior Geral
Nós estamos conscientes que estamos num tempo de mudanças. O mundo parece-se sempre mais como uma aldeia global. Todos os tipos de descobertas em todas as áreas de conhecimentos trazem mais e mais facilidades para a vida das pessoas humanas. De outro lado, isso representa uma ameaça de auto-destruição. A vida religiosa não está fora dessa realidade. Nós estamos em contato com diferentes e muitas vezes conflitantes visões nas áreas de teologia, pastoral e moral, e de compreensões de Igreja.
Nosso tempo é um tempo de discernimento, de busca, de paciência, de diálogo, de abertura em relação aos sinais da presença de Deus em cada nova realidade. As sementes da Palavra estão nas diferentes culturas. Estamos num tempo de novas possibilidades, de confiar no Espírito, que faz “novas todas as coisas”.
Muitos valores de referência nos quais muitas pessoas consagradas nasceram e cresceram não existem mais. Às novas gerações aqueles valores são desconhecidos. De outro lado, um novo sistema referencial de valores éticos, sociais, religiosos e culturais parece não estar claro. Parece que estamos vivendo entre o ontem, que já não existe mais, e o amanhã, que ainda é desconhecido. Portanto, é normal que, sob tais circunstâncias, experimentemos medos, tensões, vemos exageros, ou mesmo, que tenhamos que enfrentar situações nas quais nos sentimos totalmente perdidos. O profeta Jeremias lamenta que, em seu tempo, até os profetas e sacerdotes não sabiam o que fazer.
Como membros da família salesiana as virtudes de confiança no Deus que conduz a história e de humildade estão entre as virtudes salesianas que devem acompanhar-nos diante de tal situação. Experimentamos que nós não somos os salvadores do mundo. Mas nós temos, sim, algo a oferecer. Eu gostaria e partilhar algumas contribuições que, ao meu ver, são contribuições nossas à Igreja e ao povo a quem nós servimos.
1 – O desafio de permanecer buscando a vontade de Deus e de ser fiel à mesma – Se existe algo do qual não podemos desistir é isto: buscar a vondade de Deus. O mundo de hoje dispõe de muitas facilidades e recursos que faz nossa vida diária muitas vezes fácil e prazerosa. Esses recursos não estavam disponíveis no passado: computador, meios de comunicação, internet, facilidade de locomoção, recursos em nossas casas, etc. Certamente um desafio diário para nós é o de manter nossa fidelidadae fazendo a vontade de Deus no meio de todas essas coisas, com todos esses recursos à nossa disposição. À minha mente vem a história de São Francisco de Sales no Teótimo: ele conta a história do cão de caça, que corre atrás da lebre: nada o impede de manter-se no seu rumo, nem pedras, nem montanhas, nem rios, nem distância, nem cerca. No entanto, há um risco: no tempo de primavera o risco é que o perfume das flores e da vegetação o atraía e o leve a perder o rumo. Significa: não foram as dificuldades que o impediram de buscar a meta, mas as facilidades da vida. E nós? Temos rumo em nossa vida (para SFS é a santidade de vida, união com Deus)? Mantemo-nos fiéis a este rumo?
2 – Nova vida vem de fora, vem de Deus – Creio que todos seguimos, há laguns meses atrás, o caso dos 33 trabalhadores mineiros no Chile, que ficaram presos dentro da mina de ouro, a 700 metros de profundade, por 69 dias. Ele sobreviveram através do único meio: recebendo tudo o que precisavam através de um tubo de 10 cm de diâmetro. Por esse tubo receberam tudo o que necessitavam: comida, água, ajuda psicológica, apoio espiritual, etc. Sem esse contato eles não teriam sobrevivido.
Na vida consagrada nossa relação com Deus é algo semelhante. É o único meio para sobrevivermos como consagrados(as). Será que estamaos convictos disso? Significa: a necessidade essencial e vital para vivermos nossa vida consagrada é manter essa conexão com Deus, de Quem tudo recebemos: alimento, luz, orientação, força para viver como Ele deseja que vivamos. É uma vida que depende dessa conexão.
Nós não conhecemos o futuro da vida consagrada, não sabemos como ela vai ser, mas sabemos, sim, que ela somente será capaz de viver e de renovar-se se se mantiver essa conexão com o Autor de nossa vida e Aquele que nos chamou e nos capacitou para viver o estilo de vida de pessoas consagradas. Somente seremos capaz de ajudar no renascimento da vida consagrada se buscarmos constantemente a vida de união com Deus. Somente ELE é a fonte da vida nova; somente ELE é capaz de fazer “novas todas as coisas”. Nós temos mais a receber do que a dar. Nós temos que escutar mais do que falar. Do contrário, o risco é o de construir a casa sobre a areia.
3 – O Diretório Espiritual diante de nossos olhos e em nossas mãos – “Que suas palavras vos permaneçam dia e noite diante dos olhos para meditá-las e sobre os braços para praticá-las” (Prefácio do Diretório). Os olhos são as portas de nossa mente. O que é que nossos olhos mais vêem em nossa vida diária? Por que os meios de comunicação têm uma influência tão ponderosa nas decisões de tantas pessoas? Porque eles usam exatamente esse meio de tocar-nos: suas mensagem vêm a nós através de nossos olhos. Não é sem sentido perguntar-nos: onde estão meus olhos? Creio que muitas vezes poderíamos dizer: onde estão meus olhos, aí está meu coração (porque aí está também minha mente). Precisamos, portanto, ter o Diretório diante de nossos olhos. Mas isso não é suficiente. Somos chamados a tê-lo em nossas mãos, para praticá-lo, de modo que nossas obras sejam guiadas pelo Diretório.
4 – O chamado a reimprimir o Evangelho – “A sociedade atual precisa disso; a Igreja espera isso de vocês: ser o Evangelho vivo” (Bento XVI aos Superiores Maiores).
Somos chamados a “reimprimir o Evangelho” (Boa Madre). Isso significa: testemunhar ao povo de Deus que Deus nos ama com amor eterno e nunca nos abandona. Nunca, mesmo quando tudo parece tão incerto. Nossas comunidades deveriam ser laboratórios do encontro verdadeiro entre Deus e o seu povo, uma resposta àqueles que estão buscando um sentido para viver e para crer. Reimprimir o Evangelho significa ajudar o povo a ter vida em plenitude, a alimentar sua fé, sua vida de união com Deus, a perceber a presença de Deus em suas vidas. É oferecer a riqueza da doutrina salesiana, e ajudá-los na vida de união com Deus em seu dia a dia. Significa ser presença viva do Evangelho especialmente pelo testemunho das Bem-Aventuranças (Mt 5) e do serviço aos pobres (Mt 25).
Há uma necessidade de apresentar Jesus Cristo num modo holístico. Isso requer que sejamos especialistas em humanidade, como Jesus tem sido. Somente Deus poderia ter sido tão humano como foi Jesus. Há uma necessidade de cada pessoa perceber o valor de sua própria vida. Há uma necessidade de escutar e de acolher pessoas, especialmente os mais pobres. É uma necessidade urgente humanizar a sociedade, humanizar no sentido da plenitude de vida (não o humanismo da sociedade moderna, que absolutiza o homem, e considera Deus como impecilho para a plenitude humana). O Papa disse recentemente: “Deus não é competidor, mas é nosso companheiro, amigo”. Tudo isso está incluído quando falamos em reimprimir o Evangelho. Essa é a tarefa que somos chamados a realizar. Isso significa em outras palavras, tornar-se companheiros de viagem na vida de muitas pessoas, aproximando-nos deles em situações concretas nas quais elas se encontram pessoalmente, e não em situações nas quais nós gostaríamos que elas se encontrassem. Não há nada que mobilize mais uma pessoa do que sentir-se amada e apreciada pelos outros.
Isso requer que na formação à vida consagrada nós levemos em conta o que o Papa Bento XVI chama de “formação do coração” na encíclica Deus caritas est, 31.
No Prefácio do Tratado do Amor de Deus São Francisco de Sales chama nossa atenção sobre algo fundamental quando falamos em evangelização e missão da Igreja. Ele diz que o Espírito Santo nos conduz a apresentar o Evangelho de modo que ele toque e “aqueça os corações”. Essa é uma verdade poderosa! A imagem do Espírito Santo, que vem como línguas de fogo, ratifica a ideia da eficácia de Sua ação: queima, aquece e traz vida nova aos corações. Aqui está um critério que por certo ajuda-nos a avaliar a eficácia de nosso ministério pastoral.
5 – Há uma sede de espiritualidade – Embora cresce o número dos que afirmam que já não pertencem a nenhum credo religioso, há, no entanto, um crescimento no número de expressões e movimentos que fazem da experiência espiritual uma experiência significativa para suas vidas. Vemos hoje que diversos movimentos de espiritualidade, tanto dentro como fora da Igreja Católica, não estão enraízadas na verdadeira e fundamental fé cristã. A Introdução à Vida Devota apresenta um método seguro e eficaz para o seguimento de Cristo. Não apresenta uma teoria sobre o tema da espiritualidade, mas sim um método. Como uma “Introdução”, Filoteia pressupõe um processo dinâmico que leva à uma meta clara, meta de toda vida cristã: santidade de vida, união com Deus e amor mútuo. Portanto, não se trata de uma espiritulidade “líquida”, “fluída”, ou sem rumo. Propõe um método já provado, cuja eficácia se pode perceber na vida do próprio autor, e na experiência de inúmeras pessoas que já guiaram suas vidas por esse método.
Lembrar que a santidade de vida é um chamado a toda pessoa humana é um dos pontos centrais nos ensinamentos de Francisco de Sales. Chamados à santidade são as pessoas em todos os estados de vida (conforme Introdução à Vida Devota) e pessoas com qualquer tipo de personalidade (conforme Tratado do Amor de Deus). União com Deus e fidelidade à vontade de Deus podem ser vividas por todas as pessoas e em quaisquer circunstâncias: no templo, no trabalho, na rua, em casa, na escola, diante da internet, etc. Francisco de Sales contribui assim a superar o dualismo entre fé e vida.
Há hoje uma necessidade de guias espirituais. Sabemos a grande influência de Francisco de Sales como diretor spiritual na vida de muitas pessoas. Esse é certamente para nós hoje um meio poderoso de servir pessoas confiadas aos nosso cuidados espirituais.
6 – Nosso espírito salesiano capacita-nos a superar os fundamentalismos, tanto dentro como fora da Igreja – Testemunhamos em nosso dias que há no mundo tantas tensões e perseguições que têm sua origem em grupos com posições fundamentalistas, que são em geral fechados a qualquer diálogo, e fazem de tudo para forçar outros a aceitar seu modo de pensar e agir. A obras de Francisco de Sales ajuda-nos a experimentar Deus como o Deus do Amor. Toda severidade e todos os extremismos estão longe do espírito de sua obra. A única radicalidade que encontramos nas obras de Francisco de Sales é a de seguir Cristo de todo coração, com toda mente e com toda vontade, que é a radicalidade do próprio evangelho. Como sabemos, para Francisco de Sales o método é o da persuasão guiada pelo amor, e não o da imposição pela força. Temos, portanto, os princípios pelos quais podemos positivamente influenciar grupos que têm posições com tendências absolutistas e fundamentalistas, tanto dentro como fora da Igreja. Deveríamos ser capazes de ajudar a superar a Guerra da exclusão, da imposição e da intolerância: ‘Minha verdade contra tua verdade”; ‘Meu Deus contra teu Deus’; ‘Minha moral contra tua moral”… Deveríamos ser testemunhas da verdade e da bondade de Deus.
7 – Três atitudes fundamentais: adorar, acolher e servir – Uma verdadeira atitude de adoração (de Deus) capacita-nos a levar o povo às águas puras, à fonte da salvação (pela prática da Lectio divina, participando dos sacramentos, liturgia, retiros, dedicando tempo para a doração). Se somente refletimos e discutimos o risco é de afastar-nos da experiência do “primeiro amor”. Adorar é uma atitude não apenas de pessoas consagradas (como fazia D. Helder Câmara), mas é necessidade para manter a fidelidade à nossa vocação e missão, à qual temos sido chamados. Adorar significa: aproximar-nos da fonte de água pura. Isso é parte da autêntica tradição religiosa-monástica. Há hoje uma abertura à adoração em muitos jovens. Não é suficiente recitar o Breviário…
Acolher – É nossa atitude em relação aos outros. Nossas comunidades deveriam ser comunidades humanas e guiadas pelo Evangelho. Isso significa dizer: acolher, comunicar, partilhar, perdoar. Há verdadeiro e genuíno desejo de comunidade em jovens que se aproximam de nós. Em nossa missão deveríamos ser criativos: visitar pessoas, indo aonde elas estão, sendo presença de Deus, como foi Jesus.
Servir (apostolado) – Mt 25 (Deus presente em cada pessoa), e Jo 13 (lavando os pés) ensinam-nos a reconhecer Deus presente em cada ser humano, e a não excluir ninguém do nosso serviço. Como consagrados somos chamados a ir às margens, a aproximar-nos das experiências humanas mais sofridas, e lá sermos servidores.
O tempo de crise pode ser uma oportunidade para a experiência de nascer de novo (Jo 3: Jesus e Nicodemos) na fidelidade de servir a Igreja e a humanidade. O verdadeiro tesouro que temos para oferecer à Igreja e a todos que servimos é o testemunho de nossa oblação através de nossos votos religiosos, vividos na fidelidade e na alegria, em vida fraterna. Quando o povo vê que nós, como Oblatos, nos respeitamos e nos queremos bem, por certo isso é, por si mesmo, uma eficaz evangelização.